A 11 de março de 2020, a OMS comunicou que a COVID-19 reunia características que permitiam caracterizá-la como pandemia. Hoje, cerca de um mês e uma semana depois, as alterações quotidianas a nível global são dramáticas. O distanciamento físico (vulgarmente designado “distanciamento social”), o autoisolamento e o confinamento, formam uma rede de conceitos que ditam uma nova realidade para a grande maioria das pessoas. Esta realidade de contornos particulares e extraordinários exigiu alterações sem precedentes nos padrões de comportamento para com os outros e nas próprias vivências internas de cada um de nós.
É de consenso científico que existe um aumento na incidência de doença mental após desastres a larga escala. Dentro das sequelas diretas, que se relacionam com a calamidade em si, destacam-se depressão, abuso de substâncias, perturbações ansiosas e stress pós-traumático. Mas, serão menos impactantes as alterações resultantes das medidas necessárias para mitigação desta pandemia?
O que acatámos com estranheza nos primeiros dias rapidamente se foi entranhando no que somos. Arrisco dizer, que está para lá de normalizado: acostumámo-nos gradualmente a uma realidade que seria, a priori, passageira. Como resultado, observamos agora, com a mesma estranheza, os nossos hábitos pré-pandemia (e as consequências futuras nos padrões de relação com o próprio e os outros adivinham-se profundas). Adicionalmente, estamos prestes a viver um novo período de adaptação – um período que envolve o reconhecimento de quem éramos. Resta saber com que limitações e em que condições ocorrerá este retorno à “vida em sociedade” e a reinvenção dos hábitos que tanto nos caracterizavam.
Possivelmente, não ficará tudo bem para muitos, quando se têm em conta todos os aspetos inerentes ao combate à pandemia. No entanto, a capacidade camaleónica individual e coletiva tem permitido a resiliência da humanidade face a tantas outras situações catastróficas. Certamente não viveremos num mundo igual. Saberemos o que é a impotência perante uma tragédia que nos é imposta e sob a qual temos controlo limitado. Também ficará o conhecimento de que a ameaça à vida e ao que encaramos como certo pode sempre avizinhar-se, seja numa situação semelhante ou num cenário superficialmente diferente. E o da absurda vulnerabilidade em cada um de nós, que periodicamente esquecemos. Apesar disso, é gritante aprender que a interdependência e a solidariedade, em tempos como os que correm são pontos chave tanto para a comunidade como para o indivíduo – e que, com os recursos de que dispomos, “distanciamento físico” e “distanciamento social” não têm necessariamente o mesmo significado.
Que nunca nos esqueçamos do que nos faz pessoas - daquilo que apreciamos no mundo, nos outros e, sem menor importância, em nós mesmos. Não numa esperança cega e de otimismo inebriante. Mas sim numa lucidez que não nos permita ser consumidos de forma lesiva – pelo menos não mais do que o inevitável.
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